Crime usa até cabeça de suíno para enviar droga pelo porto de Santos

Última segunda (23). Em um contêiner carregado com balas, agentes da Receita Federal flagram 344 quilos de cocaína no porto de Santos, que iriam para o Congo, com baldeação na Espanha.

Uma semana antes, 453 quilos da droga já tinham sido apreendidos numa carga de papel que tinha como destino Liverpool, na Inglaterra.

Lotes de produtos como açúcar, sal, café, amendoim, fubá, miúdos de frango e até cabeças de suíno com focinho têm sido utilizados para esconder cocaína que traficantes tentam enviar principalmente para a Europa a partir do porto de Santos, o principal do país e por onde passa cerca de 30% do comércio exterior brasileiro.

Segundo a Receita Federal, só neste ano foram feitas 11 grandes apreensões da droga no porto, num volume que cresce a cada ano. Em 2016, foram 10,6 toneladas e, no ano passado, 11,5. Neste ano, já são mais de 4,4 toneladas.

As quadrilhas usam volumes de fácil retirada dos contêineres, como mochilas e bolsas de viagem, para tentar infiltrar a droga. Para facilitar a retirada no porto de destino e por não haver muito tempo para a colocação nos contêineres, ela normalmente é encontrada logo ao abri-los.

A contaminação, como os técnicos chamam, ocorre na maioria das vezes no trajeto até o porto, do armazém ou da empresa até chegar ao cais. Mas já houve tentativas pela via marítima também, com a droga sendo içada por navios de pequenos barcos que se aproximam nas madrugadas.

A prática mais comum, segundo agentes de repressão e funcionários ouvidos pela Folha, é cooptar quem trabalha na cadeia logística, de motoristas a empregados de armazéns e empresas de navegação, para facilitar a colocação da cocaína.

Mas não basta embarcar a carga no Brasil. É preciso que o mesmo esquema exista no porto de destino para que a droga seja retirada dos contêineres. Entre os principais locais, estão portos europeus –como França, Ilhas Canárias, Alemanha, Albânia, Espanha e Reino Unido.

“Na imensa maioria das ocorrências que temos detectado, não há envolvimento do exportador brasileiro ou do importador estrangeiro. A contaminação da carga se dá à revelia dele”, afirma o auditor fiscal Oswaldo Souza Dias Júnior, chefe da equipe de repressão da Receita Federal em Santos.

Segundo ele, há casos pontuais de envolvimento de exportadores, num sistema que é chamado de operação planejada e tem como principais destinos países africanos.

A fiscalização dos contêineres a serem embarcados inclui o uso de sistemas de informática que selecionam cargas que atendam critérios de risco, como origem, destino e perfil dos envolvidos.

Os algoritmos do sistema liberam até 95% delas sem processo de inspeção documental ou física. O restante, conforme Dias Júnior, pode ser direcionado para conferência documental e eventual inspeção física –uma parcela menor vai para o chamado canal vermelho, com análise total.

“Não existe inspeção de 100%. Em nenhum país do mundo se procede dessa forma. É o preço que pagamos pela agilidade do comércio internacional. É perfeita? Não é, não existe sistema informatizado perfeito. Há possibilidade de movimentação à margem desses controles? Pode haver, é para isso que a equipe [da Receita] existe: identificar essas movimentações.”

No porto, há 15 scanners gigantes, que analisam as cargas dos caminhões em segundos. Quando um contêiner suspeito é identificado, ele é retirado do fluxo de exportação e aberto na presença de agentes da Receita e do terminal em que se encontra.

Da sala de controles, é possível visualizar a abertura de cargas em todos os terminais, o que agiliza o fluxo do comércio exterior no porto. Há cerca de 2.500 câmeras instaladas. As cargas também são identificadas por lacres.

A Folha acompanhou a abertura de um contêiner de café com um padrão de imagem diferente do habitual. Nada foi encontrado e o produto foi lacrado novamente para ser embarcado para a Espanha.

 

O porto de Santos movimentou no ano passado cerca de 2,5 milhões de contêineres, uma média de 6.835 por dia.

Uma carga flagrada com drogas pode demorar até dez dias para ser liberada para ir ao destino. O prazo é dado para que o exportador detalhe as informações sobre o carregamento. Se ele responder no dia da intimação, pode ser liberado de imediato.

Diretor-executivo da Abtra (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados), Angelino Caputo diz que as empresas exportadoras são vítimas da ação das quadrilhas do tráfico. “Nós apoiamos tudo que precisa fazer para ficar dentro da legalidade, inclusive o combate ao tráfico de drogas. Não é interesse de ninguém que a carga fique retida”, declara.

De acordo com ele, as câmeras foram instaladas a partir de 2000 pelas empresas e culminaram numa grande central em 2014, a COV (Central de Operações e Vigilância), operada pela Receita.

“A alfândega não gastou um centavo com aquilo, foi rateio dos empresários, operacionalizado pela associação, sem fins lucrativos, em prol da segurança jurídica, fiscal e tributária”, afirma.

Segundo ele, para conseguir escapar do controle, é preciso que as quadrilhas “tenham muita criatividade”.
Os problemas envolvendo o tráfico de drogas no porto afetam não só as empresas exportadoras, mas também a imagem do país, na avaliação de Edson Vismona, presidente do Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial).

“Não podemos ser um ‘hub’ [pivô] das drogas. Quando você faz a árvore genealógica do crime, vê que é tudo interligado. Quem compra droga, compra com dinheiro que conseguiu no contrabando de cigarro, de eletrônicos”, diz.



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