Criado por brasileiro, novo método que mede pressão cerebral chega a hospitais

Foto: Mariana Costa/UnB/Folhapress

Uma tecnologia médica que nasceu da insatisfação de um cientista brasileiro com seu próprio tratamento está começando a chegar aos hospitais.

O sistema, apelidado de Braincare, é o primeiro método não invasivo para mensurar a pressão no interior do crânio, com potenciais aplicações numa série de problemas que afetam os sistemas nervoso e cardiovascular.

“Nosso objetivo é simples: fazer com que essas medições passem a ser consideradas um novo sinal vital, assim como tradicionalmente os médicos avaliam os batimentos cardíacos ou a pressão arterial”, diz o engenheiro de produção Plínio Targa, que chefia a empresa criada para tentar levar o projeto ao mercado, também batizada de Braincare.

A empresa acaba de anunciar um acordo com o Hospital Sírio-Libanês para que sua tecnologia de medição da PIC (pressão intracraniana) seja aplicada a pacientes tanto atendidos pela própria instituição quanto pelas unidades de saúde pública administradas por ela.

“Queremos entender muito rapidamente como poderemos aplicar essa solução para um número cada vez maior de diagnósticos e tratamentos”, diz o médico Paulo Chapchap, diretor-geral do Sírio-Libanês.

Até pouco tempo atrás, prevalecia entre a comunidade médica a ideia de que o crânio dos seres humanos adultos tinha tal rigidez que seria impossível medir variações da pressão dentro dele com instrumentos do lado de fora. Por isso, quando uma aferição da PIC se faz necessária, a praxe ainda é abrir um pequeno furo no crânio e colocar um sensor lá dentro.

O físico Sérgio Mascarenhas, 90, pesquisador da USP de São Carlos desde os anos 1950, teve de passar por um procedimento desse tipo em 2006, quando foi diagnosticado com hidrocefalia (acúmulo de líquido no cérebro).

Nesse tipo de problema, é necessário implantar válvulas que drenam o líquido em excesso e, para checar se elas estão funcionando direito, usa-se o sensor interno de PIC.

Inconformado com a necessidade de furar o crânio apenas com esse propósito, Mascarenhas pôs-se a estudar a questão com a ajuda de uma série de orientandos.

Experimentos simples mostraram que o dogma do crânio adulto rígido estava errado, e os pesquisadores passaram a desenvolver um sistema capaz de medir com precisão as mudanças da PIC.

Ex-aluno de Mascarenhas e amigo de um dos filhos dele, Targa tomou conhecimento dos protótipos e diz ter ficado fascinado com o potencial da ideia. Mascarenhas também é um dos sócios da Braincare. Patentes que protegem a propriedade intelectual do sistema já foram concedidas nos EUA e estão em fase de avaliação no Brasil. O produto já foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

“A situação no Brasil para quem faz ciência e tecnologia está muito complicada. A gente faz inovação, cria coisas novas, mas é difícil conseguir levar isso para o mercado. Conseguimos as patentes da tecnologia de forma relativamente rápida nos EUA, enquanto aqui elas ainda estão sendo analisadas”, disse Mascarenhas à Folha.

O funcionamento da tecnologia é bastante simples (veja infográfico). Ajusta-se uma faixa à cabeça do paciente, na qual está preso um pino que fica em contato com a pele. As variações da PIC alteram ligeiramente a posição dos ossos do crânio e fazem com que o pino mude de posição. Isso é captado por sensores especiais, que transferem dados para um monitor responsável por decodificá-los.

“Queremos que seja possível fazer medicina com base em evidências quantitativas. Essa é a chave do nosso trabalho”, disse Mascarenhas. “Conseguimos mostrar que a pressão intracraniana não é um número: é um espectro, que varia ao longo do tempo, como um eletrocardiograma. E isso nos dá uma série de informações sobre o estado do sistema nervoso central.”

Segundo Targa, a ideia é oferecer a tecnologia como um serviço por assinatura mensal, no qual o mais importante seria o processamento de dados.

Por meio de tecnologias sem fio, os resultados do monitoramento da PIC seriam enviados para um armazenamento virtual, “na nuvem” (como as fotos numa rede social), que os médicos poderiam acessar por aplicativos, integrar aos sistemas de informática do hospital ou incorporar aos monitores que já trazem outros sinais vitais dos pacientes.

Ao mesmo tempo em que refinavam a tecnologia, os pesquisadores também passaram a coletar dados sobre possíveis aplicações. Além do exemplo óbvio da hidrocefalia (que afeta tanto idosos quanto recém-nascidos), há uma lista crescente de problemas de saúde cujo diagnóstico ou tratamento poderiam ficar mais precisos com a ajuda do Braincare.

O método ajudaria no acompanhamento de pacientes que sofreram traumatismo craniano, na detecção precoce de aneurismas (grosso modo, “bolhas” em vasos sanguíneos que podem levá-los a se romper) e da pré-eclâmpsia (pressão alta durante a gravidez) e no monitoramento da qualidade da hemodiálise. “O pessoal do Sírio-Libanês já sugeriu uma série de outras possibilidades”, diz Targa.

Folha de São Paulo

 



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