O dia em que Fernanda Montenegro fez uma plateia de crianças ir às lágrimas

Como parte das homenagens a Fernanda Montenegro a Rede Globo exibiu um Globo Repórter diferenciado onde o escritor e jornalista Edney Silvestre permeou grande parte da história da atriz e, nessa semana, exibiu o filme “Central do Brasil”, dirigido por Walter Salles e escrito por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein. O filme de 1998, estrelado por Fernanda, em uma atuação brilhante – que lhe rendeu uma indicação ao Oscar em 1998 – , é uma jóia preciosa do cinema nacional. Lembro-me de ter visto no cinema, à época do lançamento. Foi uma experiência arrebatadora.
Eu tinha nove anos quando Central do Brasil ganhou as telonas. Era um menino pobre do interior de São Paulo que não tinha acesso fácil a produções culturais, mas muito interesse; então, quando a minha professora da terceira série do Ensino Fundamental propôs levar a minha turma ao cinema para ver o filme, fui dos mais entusiasmados.
É claro que não se trata de uma experiência fácil para uma criança recém-letrada, afinal, a produção de Walter Salles é densa e profunda, com aquelas longas pausas dramáticas que só o cinema permite, mas, ainda assim, era impossível não se deixar conduzir pela história. Tudo ali era uma descoberta para todos nós, porque o Brasil retratado no filme era completamente diferente daquele que nós experimentávamos na nossa realidade minimamente privilegiada. Entrar em contato com a dor do menino órfão que procura um pai que nunca conheceu era como entrar em contato com os nossos maiores medos. Lembro-me do meu incômodo e da minha angústia, e dos olhares vidrados dos meus colegas assistindo à cena da morte da mãe do garoto.
Ao fim do filme, (alerta de SPOILER) Dora, personagem de Fernanda, finalmente se despede do menino a quem ela tinha ajudado a encontrar o pai depois de uma longa jornada pelo sertão nordestino. Ela partia de ônibus, transmitindo no olhar um misto de alívio pelo dever cumprido e pesar por deixar o garoto, e ele a seguia do lado de fora às lágrimas. Das cenas mais lindas e tristes que já vi. E assistindo aquilo, percebi uma lágrima intrusa querendo sair. Me contive, afinal não havia – no meu entendimento de criança – motivo para aquilo acontecer. Então olhei ao meu redor e vi mais umas cinco ou seis crianças com os olhos marejados. E este foi o dia em que Fernanda Montenegro fez uma plateia de crianças da terceira série experimentar o poder da arte.
A arte moldou quem eu sou hoje, das minhas escolhas no campo profissional à minha capacidade de enxergar além do horizonte. E Fernanda Montenegro fez parte disso. Ela é a própria cultura personalizada, um corpo que se empresta para encantar e emocionar até as mais distantes plateias. Fernanda Montenegro existe e a arte resiste. Um viva!
Foto: Leo Aversa/Agência O Globo)
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source http://www.diariopotiguar.com.br/2019/10/o-dia-em-que-fernanda-montenegro-fez.html
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